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Reconhecimento a Jackson

Autor: Julio Sampaio

          Jackson é grande para o carro que dirige. O banco de trás do passageiro fica um tanto espremido. Não para mim, que me sento do outro lado do banco, tendo na frente o que seria o do acompanhante. Estou confortável. Como costumo fazer nas viagens por aplicativo, pergunto como anda o movimento, se o mercado já retornou ao que era antes da pandemia e coisas do tipo. Jackson responde que o movimento está melhorando a cada dia, mas não sabe como era antes, pois começou no serviço de aplicativo a menos de 1 ano. Antes trabalhava como metalúrgico, numa única empresa, onde esteve por quase 10 anos. Deve ter iniciado cedo, pois não parecia ter muito mais do que 30. Na fábrica ganhava bem mais, quase o dobro, mas ajustou a vida no novo padrão. Pergunto se ele espera voltar a atuar como metalúrgico quando as coisas voltarem mais ao normal. Me surpreende a resposta:

          “De jeito nenhum”, responde ele. “Só mesmo se estiver morrendo de fome”.

          “Mas o que houve? Algum problema na saída?”, questiono, já curioso.

          “Senhor, eu trabalhei boa parte de minha vida lá. Me esforçava e dava o meu melhor. Houve ocasiões que entrei numa segunda de manhã e saí na terça à tarde. Nunca recebi um obrigado. Nunca ninguém disse que meu trabalho era importante. Eu era apenas uma peça de uma máquina. Aqui no aplicativo, a cada viagem, recebo estrelinhas pelo meu serviço. Tenho um score alto: 4,95, sendo o máximo 5. De vez em quando, ainda recebo algum valor a mais, às vezes, dois, três ou até cinco reais. Não é pelo dinheiro, mas fico feliz em saber que o passageiro gostou do meu atendimento. Aqui, recebo obrigado o dia inteiro, todos os dias”.

          A viagem foi curta e não soube nada mais sobre Jackson. Dele ficou uma confirmação de algo que todos sabemos, mas que nem sempre consideramos: o valor do reconhecimento sincero. Ganhando a metade do que na sua profissão, estava feliz, porque estava recebendo um feedback de seu trabalho. Quantas pessoas muito bem remuneradas e em ótimas posições sentem-se frustradas, por não receberem as estrelinhas que Jackson tanto valoriza a cada viagem. Estas estrelinhas são o seu placar e ele aponta 4,95. Jackson está indo bem no jogo e sente-se motivado a melhorar ainda mais.

          Charles Coonradt no livro O Jogo do Trabalho demonstra como o trabalho pode ser divertido e produtivo quando algumas condições são reunidas como: feedback imediato, regras claras e um placar que mostre como estamos indo, exatamente como na maioria dos esportes. Como seria sentar-se para assistir a um jogo em que 22 homens ou mulheres correm atrás de uma bola, se não houvesse um placar? Quem aguentaria assistir, sequer por alguns minutos? Para quem está jogando, o placar funciona como um tipo de reconhecimento imediato.

          No esporte, na arte e, eu diria, em todas as relações humanas, há uma moeda de troca que vale mais do que a financeira, o reconhecimento. Não sendo exatamente a mesma coisa, ela está muito próxima da gratidão. E “Gratidão gera Gratidão”, como nos ensina o filósofo e líder espiritual Mokiti Okada. A gratidão e o reconhecimento produzem gratidão e reconhecimento e tornam as relações mais belas. Vale para um relacionamento empresa-empregado, marido-mulher, pai-filho, amigo-amigo e vice-versa, em todos os casos. O contrário disso são relações rudes e frias, em que ninguém reconhece ninguém e que todos se sentem frustrados.

          Imaginei que o tratamento frio que Jackson recebera, em que diz nunca ter recebido um obrigado em quase dez anos, talvez fosse recíproco. Qual seria o sentimento dele também para com a empresa durante este período? O que ele reconhecia e agradecia? Numa relação desgastada entre casais é comum que os dois lados se sintam mal reconhecidos.

          Encerrada a corrida, pude fazer o meu reconhecimento a Jackson. 5 estrelinhas, especialmente, pela boa conversam e pela reflexão que me provocou. É algo que preciso me lembrar sempre: a importância do reconhecimento sincero. Não tenho o hábito de complementar com um valor adicional pela corrida e percebo agora que deveria tê-lo feito. Como disse Jackson, não é pelo dinheiro.

 

Julio Sampaio (PCC, ICF)

Idealizador do MCI – Mentoring Coaching Institute

Diretor da Resultado Consultoria, Mentoring e Coaching

Autor do Livro: Felicidade, Pessoas e Empresas (Editora Ponto Vital), dentre outros