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O hábito da reclamação

Autor: Julio Sampaio

- Já reparou o quanto você reclamou nestes poucos minutos que estamos juntos?

- Como assim, reclamou?

- Você reclamou que eu parei o carro longe da entrada do prédio e que, por isso, se molhou. Reclamou que eu cheguei atrasada e foram apenas dois minutos. Reclamou de todo o dia e do seu chefe, que não para de perseguir você.

- E você? Reparou que está reclamando da minha reclamação?

O diálogo do casal aconteceu mais ou menos assim e para quem assistia, como eu, não deixou de ser engraçado. Reclamar e reclamar da reclamação é algo comum e pode ser divertido para quem está fora deste círculo vicioso, mas apenas para quem está fora. Para quem vive nele, pode ser bastante pesado.

Em grande parte dos casos, a reclamação torna-se um hábito, e como todo hábito, não se baseia na racionalidade. Quem responde pelos hábitos são os gânglios neurais, tão rápido, que os estímulos não chegam ao cérebro, que assim, poupa energia, resguardando-se para outras funções em que precisará ser acionado. Há hábitos positivos que nos aproximam da felicidade e hábitos que nos distanciam dela. É o caso da reclamação, um hábito que representa exatamente o contrário do que recomendam a neurociência e a psicologia positiva para a construção de felicidade: a gratidão.

São inúmeros estudos que indicam que criar um modelo mental positivo e grato favorece um estado mais contínuo de emoções positivas. O modelo mental da reclamação e da ingratidão, porém, instala-se mais facilmente, sem nenhum esforço. Não são necessários os tais exercícios de 21 ou de 30 dias, que se tornaram conhecidos pelo grande público. Nossa natureza límbica, associada à sobrevivência, reconhece instantaneamente as imperfeições ou ameaças e corre na frente, manifestando-se antes que a gratidão tenha chances de estar presente. Se nos entregarmos aos instintos, a reclamação predomina. Criar um modelo mental positivo requer consciência e uma certa determinação, algumas vezes, esforço.

Lembro que quando era jovem, tinha o hábito de dizer várias vezes por dia: “estou cansado”. Na época, fazia faculdade à noite e trabalhava desde cedo, dormindo talvez umas 5 horas por dia, um tempo insuficiente. No entanto, dizer várias vezes que estava cansado, apenas agravava a situação. Era uma espécie de reclamação que, com o tempo, fazia com que eu me sentisse assim, mesmo quando não havia razões físicas para tal. Alguém me fez perceber isto (em geral é o cônjuge da gente que faz isso, reclamando da nossa reclamação, como no casal acima). Demorou um tempo até que o antigo mantra fosse substituído por uma nova afirmação: “estou me sentindo bem”. Depois de um tempo, não precisei mais dele. Não passei a dormir mais, porém, estava menos cansado. 

Dificilmente eliminamos um hábito sem a substituição por um novo. As velhas conexões neurais continuam por lá e é necessário que novas sejam criadas e fortalecidas, até que se tornem realmente predominantes. Até lá, necessitam, da nossa racionalidade intencional. É um dos passos para a construção consciente da felicidade.

Há uma história antiga que ilustra os efeitos da reclamação e da gratidão. Ela envolve um cachorro preso por uma corrente a uma carroça, que segue o seu caminho na estrada. O cachorro pode seguir feliz ao lado da carroça, mas se resistir, será arrastado por ela. A metáfora se refere à maneira de seguir a natureza e lidar com os acontecimentos. Com base nesta metáfora, o filósofo antigo Cleantes de Assos afirmou: “o destino guia aqueles que o aceitam e arrasta os que o recusam”. 

O hábito da reclamação, que é alimentado por nós mesmos, não tem o poder de transformação, que requer outras forças. Também não nos faz caminhar alegremente. O que ele faz é nos arrastar, como no exemplo do cachorro, por um caminho que se torna mais difícil. Vale refletir. Estamos nutrindo o hábito da reclamação?

 

 

Julio Sampaio (PCC, ICF) 

Mentor do MCI – Mentoring Coaching Institute

Diretor da Resultado Consultoria Empresarial