Reconheço que, em algumas vezes na vida, tive um comportamento semelhante ao do cavalo Sansão, personagem da Revolução dos Bichos, de George Orwell. Na história, sempre que havia um problema ou uma crise, a solução do cavalo era: “trabalharei mais”.
A crença no trabalho sempre foi muito forte em mim e nos meus irmãos, fruto da criação que tivemos, mais por parte de mãe do que de pai, diga-se de passagem. A família de meu pai, portuguesa, neste sentido, era mais normal. O trabalho ocupava um lugar importante, mas não era a prioridade máxima. Meus avós, na época, tinham uma boa situação e os filhos, apesar de numerosos, não tiveram tanta dificuldade para serem bem encaminhados na vida, tendo uma relação razoável com o trabalho.
Ao contrário, foi a vida de meu avô, por parte de mãe. Saiu de casa aos 14 anos, depois de uma briga com o pai, fazendeiro em Sergipe, que não aceitava ser afrontado e que declarou que filho dele que saía de casa brigado de manhã não voltava à noite. Meu avô foi ser aprendiz de marinheiro, estudou por conta própria e teve que comer muito “pão que o diabo amassou” para sobreviver e crescer. Já adulto, mesmo sem tantas condições, abriu mão da herança do pai, alegando que não o ajudou a construir. Era a sua vez de devolver o radicalismo, mesmo contrariando os filhos, ansiosos pelo quinhão. Meu avô, mais do que o próprio Sansão (o cavalo), acreditava que o trabalho era a solução para todos os problemas. Eu e meus irmãos, por meio de minha mãe, herdamos isto dele. Como Sansão, aprendemos a lidar com os problemas com mais trabalho.
Lembro-me de tudo isto ao me deparar com Maurício, executivo em meio de carreira, que acaba de assumir um novo cargo. É uma posição que ele não esperava ocupar e que exige dele novos conhecimentos e competências. Maurício responde com mais trabalho.
Ele precisou mudar pela primeira vez de cidade e de estado e sente a diferença cultural. Para compensar, Mauricio vem dedicando mais tempo para os relacionamentos sociais e profissionais.
A mulher e os filhos ainda estão se adaptando à nova realidade. As crianças ainda não fizeram amigos na escola e Mauricio percebe que eles sofrem algum tipo de bullying, pelo sotaque que trazem. Preocupa-se com isso, pois sabe o quanto as crianças podem ser cruéis, mas não há muito o que fazer, a não ser estar mais por perto. A mulher, que se sacrificou para acompanhá-lo, reinicia o seu negócio, agora em outro local. Eles já não têm a rede de proteção da família que morava perto e ela se sente só. Todos demandam tempo e Maurício se esforça para atender, com o sentimento de que é sua obrigação, seu trabalho.
Na nova função é exigido de Mauricio novos conhecimentos e, por isto, ele precisa dedicar-se ao estudo. Para aguentar o pico, Maurício voltou às atividades físicas e, para isso, está acordando mais cedo. De 7 horas, passou a acordar às 6 horas e agora às 5 horas, todos os dias. Na empresa, há a pressão para resultados, como era de se esperar.
Tudo isto mudou o aspecto e o humor de Mauricio, que agora transmite um certo cansaço, um ar de preocupação, a impressão de que as coisas estão pesadas. Podemos dizer que ele, no momento, está se dedicando muito ao seu propósito, o que é bom. Por outro lado, está deixando à parte o desfrute, a alegria, o prazer. Como equilibrar Propósito e Prazer?
Como disse, em várias situações que a vida me trouxe, agi como o Sansão, respondendo aos desafios com mais trabalho. No livro, Sansão não tem um final feliz, sendo levado para o abatedouro. No meu caso, não me arrependo de ter seguido o que acreditava, podendo até dizer que deu tudo certo. No entanto, me vejo hoje instigado a provocar Maurício a pensar em outras possibilidades. Que alternativas existem, Maurício? Como harmonizar trabalho e propósito com alegria, leveza e prazer? Talvez a felicidade maior esteja neste equilíbrio. Como podemos fugir da síndrome de Sansão, o cavalo?
Julio Sampaio (PCC, ICF)
Mentor do MCI – Mentoring Coaching Institute
Diretor da Resultado Consultoria Empresarial