Vicente é reconhecido pelo talento e por ter criado belas campanhas pela sua agência de publicidade que acumula prêmios e está entre as mais conceituadas no mercado em que atua. Vicente também é visto como alguém de temperamento difícil, explosivo e impaciente. Fora do trabalho é até sociável, mas na agência, os tratamentos costumam ser entre gritos e palavrões, conforme a situação. Alguém de fora diria que os tratamentos chegam a ser ofensivos. Isto não ocorre apenas de Vicente para os demais, mas também da equipe entre si. É Vicente quem se destaca neste quesito, sendo ele o sócio majoritário. Todos se tratam rudemente. A relação entre os três sócios é ainda mais violenta, assustando as desavisadas pessoas no entorno.
Hoje, este talvez seja um dos traços mais fortes da cultura da agência, a maneira como as pessoas se tratam (em geral aos gritos), o alto nível de exigência e a ausência de qualquer consideração por sensibilidades pessoais. Ali não existe o politicamente correto. O tratamento é duro e apenas para os que conseguirem sobreviver a este tipo de ambiente e frequência. Nem todos têm estômago para isto e pode-se supor que a agência tenha perdido bons talentos em função desta cultura. Em defesa deste modelo, há o sucesso comercial da agência nos seus cinco anos de vida.
Pessoalmente, levantaria algumas questões em contraposição ao aparente sucesso de Vicente e da agência. Inicialmente, ele seria sustentável? Por quanto tempo? Até onde a agência pode chegar? As pessoas são felizes, mesmo aquelas que sobreviveram ou se adaptaram a este clima? Sendo Vicente e outras pessoas da equipe tão competentes, não seriam ainda mais, se o clima organizacional fosse positivo? Se ele favorecesse a liberação de seu potencial, sem a necessidade do uso contínuo do sistema límbico, o de lutar ou correr, supondo que seja isto que ocorre predominantemente? Afinal, é preciso estar atento, pois a agressão pode vir a qualquer momento, de qualquer lado, principalmente do chefe. Não é neste modo de funcionamento, que as pessoas costumam oferecer o seu melhor.
Por detrás da valorização de culturas assim, existem crenças ultrapassadas como: a de que as pessoas só produzirão se forem cobradas e ameaçadas; a de que um bom tratamento levaria a equipe para uma zona de conforto; a de que é preciso manter todos permanentemente em estado de alerta máximo. É o mesmo tipo de crença que faz com chefes se mantenham distantes, caso contrário, a equipe abusa e ele perde a autoridade. Conheci um alto executivo que, durante muitos anos acreditou que tinha que cultivar a fama de mau, como na música de Erasmo Carlos, para que a equipe atingisse as metas de venda. Não sendo a sua natureza, sentiu-se livre quando descobriu que os resultados foram muito superiores, quando se permitiu ser exigente, porém gentil e próximo da equipe.
Está mais do que provado em inúmeros trabalhos científicos e por exemplos de empresas bem-sucedidas, que pessoas felizes são mais criativas e produtivas. O exercício da gentileza é um dos componentes importantes na relação entre as pessoas, seja na vida pessoal ou profissional. Os maiores desafios são na família e no trabalho, com as pessoas que convivemos diariamente. Aqui, o maior risco é a da criação de maus hábitos que, com o tempo, se transformam em cultura e se reproduzem automaticamente.
A gentileza está nos detalhes. Um bom dia ou boa tarde; um por favor e obrigado; uma atenção em um momento de fragilidade do outro; um reconhecimento verdadeiro e vários outros. Nada disso é incompatível com o mundo corporativo. Ao contrário, se queremos ter os melhores resultados, precisamos ter as melhores pessoas conosco. Mais do que isso, que elas sejam felizes com o que fazem e para quem fazem. A gentileza é um excelente tempero para tudo isto.
Vicente não é um caso isolado de alguém que ainda está preso em antigos paradigmas nas relações profissionais. E você, seja um gestor ou não, como está o seu exercício de gentileza no trabalho e, aproveitando, também na família?
 
                 
                    
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