Havia menos de um ano que Carlinhos se juntara ao grupo de juvenis do clube. Eram os anos 70 e os jovens tinham em torno de 17 ou 18 anos. Eles aspiravam a se tornar jogadores profissionais. Quem se destacava recebia oportunidades no time principal. Era comum que, nas preliminares dos clássicos no Maracanã e em outros grandes estádios, fossem programados jogos entre os juvenis, e isso fazia com que, aos poucos, os mais promissores se tornassem conhecidos da torcida. Alguns ficavam famosos antes mesmo de serem testados entre os profissionais. Algumas dessas promessas vingavam e se tornavam grandes ídolos. Outras ficavam pelo caminho. Pode-se dizer que todos os craques da época passaram por esse processo, e alguns foram campeões do mundo e se tornaram os chamados “monstros sagrados”, lendas vivas do futebol nacional.
Carlinhos ainda estava começando, e havia sobre ele uma grande expectativa. O treinador foi buscá-lo no interior do Mato Grosso, atraído pela fama do camisa 10 do time local, que, diziam, tinha tudo para ser um novo Pelé. Até a sua aparência física lembrava o Rei. Não foi fácil convencer o pai a liberá-lo dos afazeres da roça e, principalmente, do convívio com a família. Carlinhos era o primogênito, ajudava com o trabalho no campo, com o pouco dinheiro que ganhava no futebol, e era o líder dos seis irmãos, que tinham nele um exemplo a ser seguido. Seu Carlão ainda via em Carlinhos alguém em quem a família poderia contar na sua ausência. Sua esposa, Maria, mãe de Carlinhos, era uma mulher de fibra, mas analfabeta e não sabia fazer contas.
Professor Ricardo, como era conhecido o treinador, precisou fazer uso de toda a sua persuasão para convencer Carlão a liberar o filho para deixar o interior, ir para o Rio de Janeiro e morar no alojamento com outros 20 ou 30 garotos, todos com o mesmo ideal: tornarem-se craques reconhecidos pelo público e chegarem à seleção brasileira. Na época, os jovens não sonhavam em jogar na Europa, mas na seleção do Brasil. Nem todos chegariam lá, mas o Professor Ricardo, com toda a sua experiência, garantia: Carlinhos será o novo camisa 10 da seleção em alguns anos.
Não foi o que aconteceu. Após alguns meses de clube, começou a crescer em uma das pernas de Carlinhos um tumor de origem desconhecida, que acabou por fazer com que sua perna precisasse ser amputada, em caráter de emergência, para salvar-lhe a vida.
Professor Ricardo, o treinador, não permitiu que ninguém mais fosse o portador da notícia à família. Naquela época, não era fácil a comunicação com o interior, mesmo por telefone. A viagem demoraria alguns dias, mas o Professor Ricardo não teve dúvidas. Ele mesmo iria acompanhar Carlinhos até sua casa e comunicar o fato à família. Era uma semana de decisão de um jogo importante. Seria criticado por não estar com o time, mas tinha algo maior em questão.
— Confiei em você e você não cuidou do meu filho. — Foi a única reação de Carlão, pai de Carlinhos.
O Professor Ricardo poderia dizer muita coisa a seu favor, já que não teria como evitar o surgimento do tumor na perna do menino e que a medicina fez tudo o que estava ao seu alcance. Poderia usar muitos argumentos. Mas não foi o que ele fez. Professor Ricardo apenas abaixou a cabeça e disse:
— Perdão.
Não sei quanto a você, mas a história me leva a duas posições, às quais todos nós estamos sujeitos e que, talvez, as vivenciemos, algumas vezes, sem consciência.
Há momentos em que confiamos a alguém o que podemos considerar como um filho. Pode ser quando deixamos uma criança numa creche, numa escola, ou quando delegamos a outrem um projeto extremamente importante para nós. No meu caso, ocorre hoje quando confio a alguém um dos projetos ou áreas do MCI, um filho para mim. Entregamos porque confiamos.
Em outros momentos, é quando acontece o contrário. Somos nós que recebemos o “filho” de alguém, que confiou em nós. Se algo não der certo, não cabem justificativas, explicações ou defesas. Uma única palavra disse o Professor Ricardo a Carlão: Perdão.
E para você, como é confiar a alguém um “filho”? Como é receber de alguém a confiança de um “filho”?
Julio Sampaio (PCC, ICF)
Mentor do MCI – Mentoring Coaching Institute
Diretor da Resultado Consultoria Empresarial
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